Fim

 (...) meu coração já se cansou da tempestade.

Desassossego

Muito tempo se passou desde que senti essa dor pela primeira vez. 

Minha vó me disse ontem, em uma conversa cotidiana, que os antigos não conseguiam preservar suas memórias como hoje fazemos: sacamos um porta-retrato e a nostalgia de lembrar do lençol da cama tão antiga traz à tona a guerra de travesseiros de 10 anos atrás. Contudo, ela disse que os grandes traumas vividos antes das grandes tecnologias ainda insistem em rodear a memória com riqueza de detalhes.

Ah, esses lapsos temporais... Neles, posso ver essa nuvem me seguindo até aqui. A hereditariedade e recordação de toda loucura e sensação de pouca vida, sempre vivida com planos de longo prazo, mas sentimento de ombro a ombro com a morte.
Talvez ela já tenha até me alcançado e só daqui a 10 anos eu vá perceber.

Um passado e um futuro que angustiam o presente. 
Como se fosse um entorpecente.
Uma fumaça de você no meio do escuro.
Veio dançando com cheiro de suor misturado no perfume preferido.
Cabelos molhados.
E se movia num balanço suave, que agitava até o mais íntimo do meu desejo.
O grave daquele som se misturava com meu peito que batia forte e descompassado.
Senti seu calor, no arrepio da pele.
Estava ali, entregue em todos os fios de cabelo.
Olhos que penetravam nos meus. Diretos e dilatados.
Meu corpo pulsava em ânsia vendo aqueles lábios roxos.
Um êxtase à distância.

Egoísmo

E lá estava ela, com seu salto 12 cm; ela aprendera outrora o quanto era deselegante saltos muito altos.
Debruçada à janela em seu apartamento beira-mar, fruto da suposta separação de bens. Suposta sim, na realidade ele sabia que não podia deixá-la desolada em tal estado mental, ela não conseguiria mais nada a partir dali.
Por todo canto podiam ser vistos papéis rasgados, rabiscados, assinados, datados. Papéis tristes e encharcados.
Egoísta! Ela sabia que fora egoísta. Já sabia de tudo isto, mas insistiu.
Coitada! Na realidade ela não teve tempo de escolher. Se afundou entre dois mundos.
Triste, ela escrevia seu próprio fim, enfim. Fim que o destino pré-escreveu. Mais dois goles de Whisky e uma tragada.
Lá estava ela, condenada à vida eterna.



Lapso

Não me disseram que o amor batia forte, quebrava costelas, rasgava gargantas.
E da dor de ter de suportar o "quase", vivo em imaginar cada canto do que prometem pra nós.
Mas quem promete? Quem disse que o criado-mudo era pra ser nosso? E o aparador, com porta-retratos dos nossos netos e netos...

Pensar no futuro. Lente, pra miopia do coração.

Das calcinhas e cuecas.

Acordar e perceber,
Pelo cheiro do café,
Que você despertou
Pra me fazer feliz.

E correr pra tirar do varal
As cuecas e calcinhas,
Pois a chuva vem aí,
Pra fazer um amor bom.

Deitar e rolar sob os lençóis,
Molhados de suor,
De nós dois,
Como um só.